O milênio em uma perspectiva pré-milenista
junho 10, 2018O que significa o milênio em uma perspectiva pré-milenista?
Se você perguntar a alguém qual é o livro mais complicado da Bíblia, provavelmente que a resposta seja Apocalipse. Quando tratamos de escatologia (o estudo das últimas coisas), todos os cristãos concordam naquilo que é essencial, conforme ensina o Credo dos Apóstolos: Jesus “virá para julgar vivos e mortos” e nós experimentaremos a “ressurreição do corpo” e a “vida eterna”. Mas há diversidade de pensamentos quanto a certas figuras, símbolos e eventos futuros. Uma delas é especialmente controversa: o famoso milênio apresentado em Apocalipse 20.1-6, que tem sido interpretado de diversas maneiras.
Três linhas de pensamento sobre o milênio
Há basicamente três linhas de interpretação (com algumas variações em cada uma delas). Os chamados pré-milenistas afirmam que Jesus voltará antes do milênio (por isso o pré), e que este será um reinado de Cristo com os crentes na terra. Pós-milenistas, por outro lado, creem que Cristo voltará após o milênio, e que este corresponde a um período de expansão do cristianismo no mundo. Já os amilenistas creem que o milênio é o reino espiritual de Jesus na vida dos crentes. Portanto, eles acreditam que não é um reino terreno. Segundo eles, esse reino corresponde a todo o período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo.
Mas então, quem está certo? Já estamos no milênio ou ainda devemos aguardar por ele? Nesse post quero apresentar resumidamente a interpretação pré-milenista: Cristo virá, os crentes ressuscitarão, reinarão com ele na terra por mil anos. E ao final desse tempo os outros mortos ressuscitarão para o julgamento final. Para isso, vamos olhar mais de perto o capítulo 20 de Apocalipse.
A prisão de satanás
Nos três primeiros versículos de Ap.20, vemos Satanás sendo acorrentado e mantido preso por mil anos. Amilenistas e pós-milenistas costumam afirmar que essa prisão já aconteceu na primeira vinda de Jesus: Cristo falou sobre “amarrar o homem forte” para saquear a sua casa (Mt 12.28-29); viu Satanás “caindo do céu como um raio (Lc 10.17-18) e anunciou que havia chegado o tempo de “expulsar o príncipe deste mundo” (Jo 12.31-32). Portanto, isso seria paralelo a Ap. 12.9-10, quando o diabo é expulso do céu com seus anjos, e também a Ap.20.1-3, quando ele é aprisionado. Embora Satanás não esteja totalmente ausente, a sua prisão significa que ele não pode mais enganar as nações, mas no passado os gentios viviam sob seu engano. Mas no Novo Testamento o evangelho se espalha por todas as nações.
O que o diabo faz na terra?
Embora possa haver conexões entre esses eventos, eles não parecem corresponder ao que lemos em Ap. 20. Em Ap. 12 e Lc. 10, Satanás é lançado do céu para a terra, mas em Ap. 20 ele é lançado da terra ao abismo (v.3). Em Ap. 12 o diabo desce à terra trazendo ira, perseguição, guerra e engano (12.12-13.8), enquanto em Ap 20 ele está trancado no abismo e impedido de enganar. Da mesma maneira, Satanás é apresentado em todo o NT como o “príncipe do poderio do ar” que “age nos filhos da desobediência” (Ef 2.2), o “deus deste mundo” que “cegou o entendimento dos incrédulos” (2Co 4.4). Ele anda “procurando a quem possa devorar” (1Pe 5.8), engana com armadilhas (1Tm 3.7; 2Tm 2.26) e lança “setas inflamadas” contra nós (Ef 6.16).
Os itens citados no parágrafo anterior corresponde à agenda de Satanás após sua queda em Ap. 12. Mas não se parece muito com o Diabo encarcerado de Ap. 20. Contudo, embora a obra de Jesus em sua primeira vinda represente um golpe desferido contra o Diabo, a sua prisão no milênio é melhor compreendida como uma fase mais avançada dessa derrota que ainda está por vir.
Ressurreição e reinado!
Os versículos 4 a 6 de Apocalipse mostram os fiéis participando da “primeira ressurreição” e reinando com Cristo por mil anos. Mas, os amilenistas e pós-milenistas costumam afirmar que a “primeira ressurreição” de Ap 20 é de caráter espiritual, não físico. Ela seria referente à conversão, que é descrita em outros lugares como uma nova vida (Jo 5.24-25; Rm 6.3-4;Ef 2.1; Cl 3.1), ou à situação dos santos que já morreram e cujas almas estão no céu com Cristo. É por isso que João viu almas, e não corpos, e viu também tronos (Ap 20.4), que em Apocalipse costumam indicar um cenário espiritual. Assim, não haveria uma primeira e uma segunda ressurreição literais separadas por mil anos, e sim uma ressurreição espiritual dos crentes e uma única ressurreição física de todos os homens, conforme o ensino do restante da Escritura (Dn 12.2; Jo 5.28-29; 1Co 15.22-25).
Entenda a ressurreição
É difícil, porém, associar a primeira ressurreição à conversão, pois ela ocorre com pessoas que já eram crentes e já haviam morrido: aqueles que “foram degolados por causa do testemunho de Jesus” e “não adoraram a besta nem a sua imagem” (Ap 20.4). Essa ressurreição também não parece se referir aos crentes no céu com Cristo, já que em
Ap. 6.9-10 esses mesmos crentes são descritos em uma situação de ansiedade, não de reinado.
Na realidade, a ideia de reinar e receber autoridade para julgar é uma promessa futura, não uma realidade já presente (1Co 6.2; Ap 2.26–27). Ap. 5.10, declara: “nos fizeste reis e sacerdotes; e reinaremos sobre a terra”. Isso corresponde a Ap. 20.6: “serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele mil anos”. O texto indica um reinado futuro (reinaremos) e terreno (sobre a terra). Vale lembrar aqui que a linguagem de “tronos” também aparece em contextos terrenos em Apocalipse (2.13; 3.2), portanto, não indicando necessariamente um cenário celestial. Afinal, a própria visão de Ap. 20 começa com um “anjo descendo do céu”. Logo essa visão indica que a cena acontece na terra.
Além disso, a expressão usada em Ap 20.4 ,5 costuma se referir à ressurreição corporal em outros textos (Ap 1.18; 2.8; 13.14), e dificilmente teria um significado diferente aqui. Embora textos como Daniel 12.2, João 5 28-29 e Atos 24.15 pareçam descrever um único momento de ressurreição para crentes e ímpios, pode-se dizer que Ap. 20 não contradiz, apenas revela em maior detalhe o que já havia sido dito de maneira concisa nesses textos (o que é comum no progresso da revelação bíblica).
Ressurreição da vida e ressurreição da morte?
É interessante notar que Jesus fala da “ressurreição da vida” e da “ressurreição da morte” como duas ressurreições distintas (Jo 5.29), não apenas dois destinos diferentes após uma ressurreição comum a todos. Em outro momento, o Senhor menciona um evento chamado “ressurreição dos justos” (Lc 4.14), e fala sobre aqueles que “são julgados dignos de alcançar a ressurreição dentre os mortos” (Lc 20.35). Paulo, por sua vez, diz ter expectativa de “chegar à ressurreição dos mortos” (Fp 3.11).
Os textos citados no parágrafo anterior, sugerem que haverá um momento específico de ressurreição da qual participam apenas alguns dentre os mortos, aqueles considerados dignos, e não toda a humanidade indiscriminadamente. Mas, em 1 Co. 15.23,24, Paulo fala sobre ressurreição na seguinte sequência: 1) Cristo primeiro; 2) depois os que lhe pertencem na sua vinda; 3) então virá o fim. Se há um espaço de tempo entre (1) e (2), então é natural que também haja um intervalo entre (2) e (3). Isso porque “é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo de seus pés”. Essa descrição se encaixa precisamente na visão pré-milenista.
A batalha final!
Nos versos 7 a 10 Satanás é solto, reúne um exército contra o Senhor e é finalmente derrotado. Embora todos concordem com o fato de que o Senhor vencerá Satanás por completo, há debate sobre a relação entre essa batalha de Ap. 20 e a batalha descrita no capítulo 19. Se os capítulos 19 e 20 se relacionam de maneira cronológica (como creem os pré-milenistas), então a volta de Cristo (cap. 19) acontece antes do milênio (cap. 20). Amilenistas e pós-milenistas, por sua vez, costumam ler o cap. 20 como uma recapitulação dos eventos anteriores, de modo que as duas batalhas seriam na verdade o mesmo episódio (e a volta de Jesus se daria ao fim do milênio). Afinal, se os inimigos de Deus foram derrotados no capítulo 19, de onde vieram as nações que Satanás enganaria no capítulo 20?
Entenda a cronologia do capítulo 19 e 20 de Apocalipse
Apesar de questionamentos desse tipo, há bons motivos para ler Ap. 19 e 20 como uma sequência cronológica. Em Ap. 19.20 a besta e o falso profeta são lançados no lago de fogo, e em 20.10 Satanás é lançado no mesmo lago, “onde a besta e o falso profeta estavam“. No cap. 20 Satanás é preso para “não mais enganar as nações”, o que é precisamente o que ele fazia antes. (12.9; 13.14; 16.14; 18.23; 19.19–20).
Em Ap 19.15 é dito que Jesus iria reger as nações com um cetro de ferro, indicando que, mesmo após a guerra do cap. 19, ainda restaria inimigos a serem subjugados (embora o texto não nos informe com clareza a origem desses inimigos). Portanto, isso acontece exatamente no reino milenar de Ap. 20, cumprindo também o que havia sido anunciado em Ap. 2.27: “Ele as governará com cetro de ferro e as despedaçará a um vaso de barro”. Além disso, como mencionado anteriormente, a prisão de Satanás e a primeira ressurreição são melhores compreendidos como eventos que acontecerão quando Cristo voltar, o que se encaixa na leitura cronológica.
Por que o milênio futuro?
Alguém poderia questionar: qual seria o propósito de um reino milenar após a volta de Cristo? Não faria mais sentido ele completar toda a sua obra imediatamente ao chegar?
Os pré-milenistas da vertente dispensacionalista responderiam prontamente que o milênio será o momento em que Deus cumprirá na terra as promessas feitas a Israel no Antigo Testamento. Uma outra vertente, o pré-milenismo histórico, afirma que essas promessas se cumprem espiritualmente na Igreja, não literalmente com a nação israelita. Qual seria então o propósito do milênio? Talvez esse reinado milenar seja o momento em que Jesus, como segundo Adão, vai reger a criação ainda não consumada, “cultivando o jardim” e “guardando-o” do mal ainda presente. Ou talvez o milênio sirva para demonstrar que, mesmo em um cenário de paz e justiça, ainda haverá rebelião contra Deus – não por falta de evidência (Jesus estará visivelmente presente) nem por culpa da ação demoníaca (Satanás estará preso), mas simplesmente pela dureza do coração humano.
A esperança da volta de Jesus
Isso traz implicações importantes para a maneira como entendemos o ser humano, com suas inclinações e suas necessidades. De maneira mais ampla, pensar sobre a volta de Cristo deve sempre despertar em nós a esperança que temos em comum, independente de como interpretamos o desenrolar dos eventos de Apocalipse. O poder de
Jesus sobre as nações nos lembra que não há governos, autoridades ou regimes totalitários que não estejam debaixo da soberana mão de Deus e de seu julgamento. Há esperança para os perseguidos, pobres e necessitados.
A derrota final de Satanás nos lembra que aquele que engana, tenta e promove o mal não é páreo para o nosso Senhor, e mesmo hoje permanece debaixo da sua soberania. A ressurreição futura e a restauração da criação nos mostram que nossa expectativa não está em fugir do mundo material em direção à outra realidade, mas em desfrutar plenamente da boa criação de Deus conforme o propósito dele, em plena comunhão com o nosso Criador.
Consulta – O milênio.: Bíblia de Estudo Pentecostal.
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Genilson Alves.
Presbítero e líder de Missões na ADPEL- Vila Sul. (Assembleia de Deus campo Pedro Ludovico).
Professor de EBD e do núcleo do Instituto Bíblico das Assembleias de Deus congregação Vila Sul- IBASP.
Graduando em Teologia pela faculdade Assembleiana do Brasil – FASSEB.