Parábola do Bom Samaritano

Parábola do Bom Samaritano

junho 2, 2018 3 Por Palavra em Prática

O conto dramático da PARÁBOLA DO BOM SAMARITANO em Lucas 10:30-37, é uma das parábolas mais queridas e mais interessantes de Jesus. É tão conhecida que já se tornou uma expressão proverbial para um comportamento generoso e sacrificial. Chamar alguém de “bom samaritano” é um elogio nobre. Mas a nossa familiaridade com essa parábola pode nos levar a crer que a conhecemos melhor do que realmente é o caso. Muitas pessoas supõem que entendem exatamente do que essa história trata e o que ele pretende transmitir, quando, na verdade, estão erradas. 

A seção das Escrituras em Lucas 10.30-42 foi registrada tão somente por Lucas. Assim sendo, esbarramos novamente com algum material que Lucas descobriu no processo de suas investigações, o qual não esteve disponível ou, pelo menos, não foi utilizado pelos demais evangelistas.

A parábola do bom samaritano foi dada a fim de ilustrar o importantíssimo mandamento da lei: “Amarás ao teu
próximo como a ti mesmo”. Podem-se fazer as seguintes observações a respeito:

  1. Jesus ensina aqui um importante princípio da ética humanitária. O próximo pode ser uma pessoa inteiramente desconhecida.
  2. O “próximo” pode ser de uma raça diferente, e até mesmo desprezada.
  3. O “próximo” pode ser pessoa de outra religião, até mesmo conhecida como herética.
  4. Contudo, os cuidados de Deus por toda a humanidade devem manifestar-se na vida de todos quantos são chamados pelo nome.



Contexto Histórico entre Judeus e Samaritanos

É muito instrutivo que Jesus tenha escolhido um samaritano para a sua ilustração. Samaria, capital do reino israelita do norte, caiu ante o império assírio em 722 a.c. Embora o remanescente, que ficou na terra de Israel, tenha envidado o esforço de dar continuidade à adoração ordinária, a mistura gradual com povos colonizadores enviados de várias partes do império assírio, alterou paulatinamente a atitude e a adoração do povo, além de ter criado uma raça mista. As conquistas efetuadas pelos gregos, séculos mais tarde, aumentaram ainda mais essa fusão de raças. A oposição que se instaurou entre os judeus de Jerusalém e os samaritanos parece ter sido de natureza quase inteiramente política, até o século V a.C. E o advento de Esdras e Neemias, com a nova ênfase sobre a pureza racial, fez crescer ainda mais a brecha entre essas comunidades.

Os samaritanos haviam erigido um templo no monte Gerizim e aceitavam a lei de Moisés, mas não os escritos dos profetas, como porções integrantes das Escrituras. Assim sendo, foram-se alargando cada vez mais as diferenciações religiosas. Lemos que, durante o tempo dos Macabeus, debaixo da pressão de elementos pagãos, o templo de Samaria foi dedicado ao deus Xênios. Os hasmoneanos (nome de família dos macabeus) adquiriram grande autoridade e popularidade em Israel, como também a ascendência sobre a comunidade religiosa passou para as mãos dos judeus que proclamavam Jerusalém como o centro da adoração a Jeová.

Em 63 a.c. Pompeu separou Samaria e a anexou à nova província da Síria. Subsequentemente, a cidade se tornou lugar favorito nos domínios de Herodes, o Grande, que lhe deu o novo nome de Sebaste, em honra a Augusto. Os samaritanos também sofreram sob a repressão romana e em 66 d.C., Sebaste foi incendiada até os alicerces.




Divergências religiosas entre Judeus e Samaritanos

As divergências religiosas entre os judeus de Jerusalém e os samaritanos giravam, essencialmente, em tomo do lugar
de adoração, ao mesmo tempo que os samaritanos não aceitavam como Escrituras os escritos dos profetas e esperavam que Moisés voltasse como uma espécie de Messias (o que nos mostra que o conceito messiânico também diferia entre os dois povos). O templo samaritano de Gerizim era o principal fulcro do antagonismo, mas a mistura racial dos samaritanos era menosprezada pelos judeus de Jerusalém. (Ver outros comentários no NTI em Luc. 9:52 e Atos 8:5).

Entendendo a Parábola do Bom Samaritano

Certo doutor da lei chega até Jesus e pergunta o que ele deveria fazer para herdar a vida eterna? Jesus o replica com outra pergunta: “O que está escrito na lei? Como lês?” (Lc 10.26). O doutor da lei responde de maneira correta: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo” (Lc 10.27).  Jesus diz ao doutor que ele respondeu de maneira correta. Porém, o doutor lança outra questão para Jesus tentando justificar suas falhas: “Quem é o meu próximo?” (Lc 10.29). Isso acontece porque aquele doutor da lei é como a maioria dos cristãos de hoje, sabem o que é correto, sabem o que deve fazer para herdar a vida eterna, mas não executam, pelo contrário, tentam se justificando com desculpas.

Jesus conta a Parábola do Bom Samaritano

Para responder à pergunta do doutor da lei sobre quem era o próximo dele, Jesus conta a parábola do Bom Samaritano:

Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos dos salteadores, os quais o despojaram, e espancando-o, se retiraram, deixando-o meio morto. E, ocasionalmente descia pelo mesmo caminho certo sacerdote; e, vendo-o, passou de largo. E de igual modo também um levita, chegando àquele lugar, e, vendo-o, passou de largo. Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão; E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre o seu animal, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele; E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar. Lucas 10:30-35.




A Estrada Perigosa.

Observe que a história inicia com uma viagem em uma estrada muito perigosa, a estrada de Jerusalém à Jericó (Lc 10.30). Essa estrada existe, quem visita Israel pode seguir as mesmas estradas utilizadas no tempo de Jesus. Jericó fica mais ou menos 1.200 metros abaixo de Jerusalém, e essa diferença de elevação é vencida por mais de 24 quilômetros de estrada sinuosa que passa por montanhas sem vegetação. Em alguns lugares da estrada existem precipícios de mais de cem metros. Grande parte do trajeto passa por cavernas e rochas enormes, que acabam servindo de esconderijos para assaltantes.

Na história de Jesus, o previsível acontece. Um homem viajando sozinho é assaltado e espancado por bandidos violentos. Esses ladrões não se contentem em roubá-lo, deixaram praticamento nu. Quando esses ladrões achavam que ele estava morto, o deixou. Porém, ele estava quase morto, provavelmente desmaiado e com uma respiração bem fraca.

Quando as pessoas iam para festas em Jerusalém, aquela estrada tinha um fluxo constante de pessoas. Contudo, em ocasiões normais, o fluxo de pessoas era bem pouco, principalmente na época do calor.

O Sacerdote e o Levita.

Nesse ponto dramático da história, Jesus introduz um pouco de esperança: “Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote” (Lucas 10.31). À primeira vista, isso parece ser uma ótima notícia. Aqui vem um servo de Deus, um homem que oferece sacrifícios para o povo no templo, um homem espiritual que deveria ser um paradigma de compaixão (Hebreus 5.2). Ele representa o melhor dos homens. Um sacerdote conheceria a Lei de Moisés.

O sacerdote conhecia conheceria Levítico 19.18, que diz: “Ame o seu próximo como a si mesmo.” Deveria conhecer também os versículos 33 e 34 daquele mesmo capítulo que explicam o princípio do amor ao próximo aplicando-o especificamente a estrangeiros: “Quando um estrangeiro viver na terra de vocês, não o maltratem. O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito.” Um sacerdote conheceria também Miqueias 6.8:

Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus? Miquéias 6.8.

Ele estaria plenamente ciente de que “quem fecha os ouvidos ao clamor dos pobres também clamará e não terá resposta” (Pv 21.13). O princípio exposto em Tiago 2.13 também se encontrava no Antigo Testamento: “Porque será exercido juízo sem misericórdia sobre quem não foi misericordioso.”

Sacerdote conhecia a lei, mas ele praticava?

E certamente o sacerdote conhecia Êxodo 23.4-5: “Se você encontrar perdido o boi ou o jumento que pertence ao seu inimigo, leve-o de volta a ele. Se você vir o jumento de alguém que o odeia caído sob o peso de sua carga, não o abandone, procure ajudá-lo.” Então: Se alguém encontrasse o jumento de seu inimigo caído em uma vala, ele tinha a obrigação de resgatar o jumento, certo? Evidentemente, tinha um dever ainda maior de ajudar um homem em estado
crítico.




Mas aquele raio de esperança não teve vida longa. Quando o sacerdote viu o homem ferido, “passou pelo outro lado” (Lc 10.31). O texto grego usa um verbo que não ocorre em nenhum outro lugar das Escrituras: antiparerchomai. O prefixo “anti” significa, é claro, “oposto”. É uma forma verbal ativa que significa que o sacerdote deliberadamente se deslocou para o lado oposto da estrada. Ele fez um desvio para evitar o viajante machucado, desviando-se deliberadamente do homem necessitado.

Um Sacerdote sem compaixão do próximo

Obviamente, o sacerdote não tinha compaixão por pessoas em necessidade aguda. Nenhuma outra conclusão pode ser tirada disso. Jesus virou a pergunta do perito na lei de ponta-cabeça. A pergunta que ele fizera foi: “Quem é meu próximo?” Mas essa não é a pergunta correta. Jesus está lhe mostrando por meio dessa parábola que a compaixão justa não é limitada. Ela não procura definir os sofredores que merecem receber ajuda. As obrigações do segundo mandamento não se definem pela pergunta de quem é o seu próximo. Na verdade, vale o oposto: o amor autêntico nos compele a amar até mesmo estranhos e estrangeiros. O sentido pleno do segundo mandamento inclui o princípio que Jesus demonstrou enfaticamente em Mateus 5.44: “devemos amar até mesmo o nosso inimigo”. Ele também é o nosso próximo, portanto, somos obrigados a abençoá-lo, fazer-lhe o bem e orar por ele.

O sacerdote frio desta parábola não foi necessariamente incluído para acusar o sacerdócio em geral. Sim, é verdade que muitos dos sacerdotes e líderes religiosos no tempo de Jesus não eram exemplos de compaixão. Mas essa não é a mensagem aqui. Esse sacerdote representa qualquer um que possua conhecimento pleno das Escrituras e que conheça as obrigações da lei, que sabe que deve ajudar. Mas que não o faz.

Como o levita agiu?

O próximo versículo apresenta um levita. Todos os sacerdotes eram, é claro, da tribo de Levi. Mais especificamente, aqueles que serviam como sacerdotes eram descendentes de Arão (um dos filhos de Levi). O termo levita se referia, portanto, aos descendentes de Levi, mas que não eram da linhagem de Arão. Exerciam funções secundárias no templo. Alguns eram assistentes de sacerdotes, alguns eram membros da polícia do templo; outros trabalhavam nos bastidores e mantinham e cuidavam do templo. Mas suas vidas eram dedicadas ao serviço religioso, portanto esperava-se que eles (como os sacerdotes) tivessem bons conhecimentos das Escrituras.

No entanto, quando esse levita se aproximou do lugar em que se encontrava o homem ferido, ele agiu como agira o sacerdote antes dele. Assim que viu a vítima deitada na estrada, ele passou para o outro lado da estrada. Aqui estava outro homem sem compaixão e sem amor.

Anteriormente, em Lucas 10, Jesus havia orado: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado” (v. 21). Esses dois personagens religiosos dessa parábola, o sacerdote e o levita, representavam aqueles aos quais Jesus se referiu quando falou em “sábios e cultos”. Representavam os homens de melhor formação de sua cultura e os dignitários religiosos mais respeitados. Mas eles não conheciam Deus.

Eles estavam preparados para o céu?

Nenhum estava preparado para o céu; eram “filhos da desobediência” — e, portanto, objetos da ira de Deus (Efésios 2.2; 5.6; Colossenses 3.6). Não amavam Deus de verdade, pois quando você ama Deus, você guarda seus mandamentos. Também não amavam seus próximos, pois quando se viram diante de uma necessidade real e urgente e tiveram a oportunidade de demonstrar amor, eles se recusaram. São ilustrações fortes dos hipócritas religiosos, que observam a lei cerimonial e devotam suas vidas ao serviço no templo, mas que não possuem qualquer virtude real.

Às vezes, as pessoas citam a história do bom samaritano, apontam para o sacerdote e para o levita como exemplos de extrema desumanidade e então fecham o livro com um sentimento de superioridade moral. 

Fazer isso significa não entender a mensagem de Jesus.




Evidentemente, é correto condenar a indiferença insensível desses dois homens e desdenhar sua negligência deliberada. Mas quando fazemos isso, condenamos a nós mesmos. Sua postura é exatamente o que vemos na natureza humana hoje em dia, até mesmo dentro do nosso próprio coração. Pensamos: “Não quero me envolver. Não sei o que esse homem ou as pessoas que fizeram isso com ele podem fazer comigo.” Sem justificar a apatia fria que Jesus estava condenando, precisamos confessar que nós também somos culpados de uma indiferença cega semelhante, de uma insensibilidade vil e de um desrespeito pelas pessoas em necessidade profunda. Mesmo que nós não passemos para o outro lado da rua sempre que virmos uma pessoa necessitada, todos nós falhamos muitas vezes nessa obrigação, de modo que todos nós somos culpados perante a lei com sua exigência de perfeição.

Jesus transmite essa mensagem de modo inequívoco ao apresentar-nos o bom samaritano.

Judeus e Samaritanos

O samaritano representa um ponto de virada inesperado na história de Jesus. Como o homem que
foi espancado e assaltado, o samaritano também estava viajando a sós. Algum tempo após o sacerdote e o levita terem passado, o samaritano aparece na cena. Diferentemente dos dois clérigos, o samaritano “teve compaixão” quando viu o corpo sangrento do pobre viajante (Lc 10:33).

A vítima do assalto era um homem judeu. Os ouvintes de Jesus não tinham dúvida disso, pois a história se passa em Israel, em uma estrada deserta que sai de Jerusalém. Raramente um gentio passava por aqui, muito menos um samaritano. Na mente do público original de Jesus, um samaritano seria a fonte de ajuda menos provável para um viajante judeu na estrada de Jericó. Em primeiro lugar, os samaritanos evitavam a todo custo viajar por aquela estrada. Um samaritano a percorreria apenas em uma situação de extrema emergência. Os judeus desprezavam os samaritanos, e vice-versa. Uma hostilidade cáustica mútua havia separado os dois povos durante séculos.

Os viajantes judeus a caminho da Galileia usavam a estrada de Jerusalém para Jericó justamente porque não queriam passar pela Samaria. As pessoas não seguiam diretamente para o norte, em direção à Galileia, mas para o leste, para a Pereia, que ficava do outro lado do rio Jordão. Era uma rota indireta à Galileia, mais longa e difícil, mas que circundava a Samaria.

O que os judeus achavam dos samaritanos?

O povo judeu considerava os samaritanos ética e religiosamente impuros, e os samaritanos também desprezavam e desdenhavam seus primos judeus. Os samaritanos eram descendentes dos israelitas que haviam se casado com pagãos quando os assírios levaram a maior parte da população do reino do norte para o exílio em 722 a.C. (2 Reis 17.6). Quando os assírios conquistaram o reino do norte de Israel, eles levaram grande parte da população em cativeiro e povoaram a terra com pessoas de outros países gentios. “O rei da Assíria trouxe gente da Babilônia, de Cuta, de Ava, de Hamate e de Sefarvaim e os estabeleceu nas cidades de Samaria para substituir os israelitas. Eles
ocuparam Samaria e habitaram em suas cidades. Quando começaram a viver ali, não adoravam o Senhor” (vv. 24-25).




Alguns retardatários israelitas permaneceram ou voltaram para a sua terra após a maioria de seus irmãos ter sido levada para o exílio, e esses israelitas dispersos se misturaram e casaram com os colonos pagãos. Preservaram algumas tradições arraigadas na doutrina do Antigo Testamento, mas também adotaram crenças pagãs e criaram aquela mistura de culto samaritano que, eventualmente, se transformou em algo completamente diferente do judaísmo ou da religião pagã. Era uma religião híbrida, que pode ser comparada aos cultos modernos quase cristãos. Evidentemente, os judeus fiéis consideravam o samaritanismo como algo corrupto, impuro e contrário ao Deus das Escrituras.

Judeus e Samaritanos no período de Esdras

Durante o tempo de Esdras, os judeus do reino do sul começaram a retornar do cativeiro babilônico. Quando começaram a reconstruir o templo em Jerusalém, os samaritanos ofereceram sua ajuda. Incapazes de esconder seu desdém pelo sincretismo samaritano, os judeus a recusaram. Então, os samaritanos tentaram sabotar o projeto (Esdras 4.1-5). Alguns anos mais tarde, por ocasião da instigação de Sambalate, eles também tentaram impedir a reconstrução do muro de Jerusalém (Neemias 4.2). A partir de então e durante séculos, os judeus e samaritanos
permaneceram os inimigos mais ferozes.

Um povo apóstata?

O povo judeu considerava os samaritanos um povo apóstata, que havia vendido seu direito de nascimento espiritual. Afinal de contas, os samaritanos haviam participado ativamente da profanação da terra; haviam corrompido a linhagem de sangue; e eram culpados de idolatria. No que dizia respeito aos judeus, a própria existência dos samaritanos era um fruto vil que provinha dos “pecados de Jeroboão” (1 Reis 14.16; 2 Reis 17.22). Como Jeroboão, os samaritanos também acabaram construindo seu próprio templo, com sacerdotes falsos e sacrifícios ilegítimos. Aos olhos dos judeus, os samaritanos eram piores do que pagãos por causa da sutileza com que haviam poluído
sua religião.

O ódio que os samaritanos nutriam pelos judeus não ficava para trás. Uns 130 anos antes do tempo de Cristo, João Hircano, um rei judeu da dinastia dos macabeus, derrotou a nação samaritana. Os judeus destruíram o templo samaritano no monte Gerizim. E apesar de nunca ter sido reconstruído, os samaritanos insistiam que Gerizim era o único lugar legítimo de adoração (João 4.20). Hoje existem menos de mil samaritanos, mas eles continuam a cultuar em Gerizim.

Judeus e Samaritanos na época de Jesus!

Na época de Jesus, a inimizade entre judeus e samaritanos era especialmente feroz. O tamanho do desdém dos judeus por seus primos desviados se mostra não só no fato de que eles evitavam passar pela terra dos samaritanos, mas também no modo como eles falavam sobre os samaritanos. Em algum momento, alguns líderes judeus desesperados, que estavam perdendo um debate público com Jesus, mas estavam desesperadamente desacreditando Jesus, cuspiram o pior insulto imaginável: “Não estamos certos em dizer que você é samaritano e está endemoninhado?” (João 8.48).

Aqui, então, temos um homem samaritano, que, na opinião do líder religioso judeu, certamente seria o inimigo de sangue do viajante ferido. Se o sacerdote e o levita haviam ignorado a vítima, o que esse samaritano faria ao ver o judeu ferido no meio do nada? Mataria e roubaria seus últimos pertences?

Nada disso: “Quando o viu, teve piedade dele” (Lucas 10.33).

O que Jesus estava tentando dizer? Era uma resposta preliminar à pergunta original. E era uma resposta dura com uma repreensão sutil voltada contra o perito da lei que havia levantado a pergunta. O status de líder religioso não havia contribuído em nada para preparar o sacerdote e o levita para o Reino. “A religião que Deus aceita como pura e imaculada” nada tem a ver com direitos de nascença e linhagens de sangue, nem com rituais e confissões de fé rotineiras (cf. Tiago 1:27). Uma religião pura é algo completamente diferente.

Como o Samaritano Amou

Agora, o samaritano passa a ocupar o centro do palco, e agora vem a mensagem principal: observe como esse homem ama. “Ele o viu” (Lucas 10:33). Nada de especial aqui. O sacerdote e o levita também chegaram até aqui, mas não demonstraram amor. Esse homem, um herege banido, teve piedade. Alguma parte de seu coração acolheu o homem — um senso de tristeza, luto, empatia. Ele viu e reconheceu a necessidade urgente de resgatar esse homem. Ele assumiu o fardo do homem ferido como se fosse o seu próprio.




“Aproximou-se” (v. 34). É o oposto daquilo que o sacerdote e o levita fizeram. Ele “enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo”. Lembre-se de que todos os pertences de algum valor haviam sido roubados do homem ferido. Tudo que o samaritano usou para enfaixá-lo veio de seu próprio bolso ou de sua própria roupa. O vinho era um antisséptico e o óleo era bálsamo e anódino. Ambos purificariam e selariam as feridas para impedir infecções. O óleo também umedeceu, acalmou e amaciou o tecido. (Azeite era o emoliente principal usado pela medicina na época, e trazia um alívio rápido para a dor causada pelas feridas).

De onde vieram o vinho e o óleo? Viajantes em uma longa jornada costumavam levar consigo azeite para cozinhar e vinho para beber (a água encontrada ao longo do caminho não era pura). O samaritano estava usando suas próprias provisões. A expressão usada nos diz que ele usou o vinho e o óleo generosamente. Não estava usando um conta-gotas. Ele lavou as feridas do homem com muito vinho. Jesus está enfatizando a abundância da generosidade do samaritano.

Um amor diferenciado!

Então Jesus diz: “Depois colocou-o sobre o seu próprio animal”, provavelmente um jumento ou burro (v. 34). É o animal do próprio samaritano. O samaritano vai a pé, enquanto o homem ferido monta o animal. O que Jesus pretende ressaltar é que isso não era um cuidado mínimo; o samaritano estava fazendo um sacrifício extraordinário por alguém que nem conhecia.

Ele “levou-o para uma hospedaria e cuidou dele” (v. 34). Não o largou ali; o samaritano permaneceu ao lado do viajante ferido. Alugou um quarto para o homem e ficou com ele para cuidar dele até que ele recuperasse a saúde. Continuou a tratar suas feridas, fornecendo comida, descanso, conforto, água e tudo que o homem ferido precisasse. Ficou com ele durante a noite, pois o versículo 35 diz: “No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e disse-lhe: ‘Cuide dele. Quando voltar lhe pagarei todas as despesas que você tiver’” (grifo do autor).

Dois denários representavam o salário de dois dias, e pelo que sabemos das taxas cobradas naquela época, isso bastava para pagar dois meses de hospedagem e comida numa hospedaria à beira da estrada. Isso era uma caridade notável, especialmente se levarmos em conta que os homens não se conheciam e que, normalmente, seriam considerados inimigos. O samaritano, porém, abriu mão de suas próprias roupas, de suas provisões, de seu sono e de uma quantia considerável de dinheiro. Ele até prometeu pagar mais caso fosse necessário. Alguém poderia criticá-lo por se expor ingenuamente ao perigo de ser explorado. Mas ele estava mais preocupado com as necessidades de seu próximo. Por isso, deixou um cheque em branco para o homem ferido.

Amor sem pretextos!

O samaritano nunca havia encontrado o outro homem. Ele nem sabia o que havia acontecido com o viajante e, como Jesus conta a história, ele jamais parou para investigar ou submeter o homem a qualquer tipo de interrogatório. Seu coração estava tão cheio de amor que, quando alguém cruzava seu caminho com uma necessidade urgente que ele fosse capaz de satisfazer, ele fazia tudo que podia para ajudar. Jamais questionou ou hesitou.

Em outras palavras: O samaritano nunca parou para perguntar o que o legalista perguntara: “E quem é o meu próximo?” A pergunta muito mais importante é: “E eu sou próximo de quem?” A resposta é: qualquer pessoa necessitada.




Mas sejamos sinceros com nós mesmos. Se nos deparássemos com um cenário como este na vida real, a maioria de nós consideraria a generosidade do samaritano exagerada. Alguma vez você já abriu mão de tudo para ajudar a um estranho numa situação desesperada? Ou, melhor ainda: alguma vez você fez algo assim para um inimigo seu? Você se expôs à impureza para satisfazer todas as suas necessidades? Você forneceu tudo que ele precisava: faixas para suas feridas, alimento, companhia durante uma noite de dor, dinheiro, um teto sobre a cabeça, assistência médica, para então entregar-lhe um cheque em branco caso ele precisasse de outra coisa? Não?

Amor sem limites

Na verdade, existe alguém por quem você fez todas as coisas: você mesmo. É exatamente assim que procuramos satisfazer as nossas próprias necessidades, não é? Dê-me tudo que eu preciso. Chame o melhor médico. Leve-me para o melhor hospital. Contrate os melhores cuidados disponíveis. Cuide de mim enquanto for necessário. Me paparique. Não esqueça de nenhuma comodidade. Talvez nos aproximemos um pouco do autossacrifício quando a pessoa necessitada é um membro da família ou algum amigo íntimo. Mas quem faria tudo isso por um estranho — ou até mesmo por um inimigo? Isso simplesmente não se faz.

Sem dúvida alguma, em algum momento de sua vida, você fez algo maravilhosamente generoso. Mas será que você realmente ama os estranhos dessa forma o tempo todo?

É claro que não. Jesus está descrevendo um tipo raro de amor que não tem limites. Lembre-se de que isso é também uma resposta à pergunta original do perito na lei em Lucas 10:25: “O que preciso fazer para herdar a vida eterna?” A resposta é esta:

O que a lei diz?

Ame […] seu próximo como a si mesmo (v. 27).

Você respondeu corretamente. Faça isso, e viverá (v. 28).

Por que Jesus contou a Parábola do Bom Samaritano?

Jesus contou a parábola do bom samaritano para mostrar como o padrão estabelecido pela lei é inalcançável. E é uma repreensão dirigida não só ao perito na lei, mas a todos nós. Se realmente sempre amássemos nosso próximo da mesma forma como amamos e cuidamos de nós mesmos, a generosidade do samaritano não nos pareceria tão notável.

Qualquer que tenha sido a armadilha polêmica que o perito na lei pretendia armar para Jesus, ele foi derrotado pela parábola. No fim da história, Jesus devolveu a pergunta ao perito na lei: “Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (v. 36).

A poderosa lição dessa parábola ainda pairava no ar, e o perito na lei só podia dar uma resposta: “Aquele que teve misericórdia dele” (v. 37).

A próxima resposta de Jesus deveria ter provocado uma convicção profunda e uma confissão humilde da própria incapacidade do homem: “Vá e faça o mesmo” (v. 37).

Jeito único de ensinar de Jesus

Pois a questão é esta: a lei exige que você faça isso o tempo todo. Como um perito na lei, o homem deveria saber que não era capaz de executar um único ato de altruísmo extravagante e mesmo assim acreditar que ele cumpria as exigências da lei o tempo todo. A lei exige perfeição o tempo todo. “Maldito quem não puser em prática as palavras desta lei” (Deuteronômio 27:26). “Pois quem obedece a toda a Lei, mas tropeça em apenas um ponto, torna-se culpado de quebrá-la inteiramente” (Tiago 2:10).

Assim, a resposta final de Jesus ao homem: “Vá e faça o mesmo” deveria tê-lo levado a cair de joelhos e a implorar por graça e perdão. Se é a isso que a lei se refere quando promete vida àqueles que obedecem (Levítico 18:5), não temos qualquer esperança sob a lei. A única coisa que a lei pode fazer por nós é nos condenar. “O próprio mandamento, destinado a produzir vida, na verdade produziu morte” (Romanos 7:10). Visto que a lei exige perfeição absoluta e divina (Mateus 5:48), ninguém que pecou alguma vez na vida está preparado para a vida eterna sob os termos da lei. O perito na lei deveria ter entendido isso. E nós também. A verdade plena é que, até mesmo os cristãos, em cujos corações “Deus derramou seu amor” (Romanos 5:5), não amam como exige a lei.

Uma lição mais profunda!

Mas há uma lição ainda mais profunda aqui. A maneira como o bom samaritano cuidou do viajante é a maneira como Deus ama os pecadores. Na verdade, o amor de Deus é infinitamente mais profundo e mais maravilhoso do que isso. O samaritano sacrificou seu tempo e seu dinheiro para cuidar do inimigo ferido. Deus deu seu próprio Filho eterno para que ele morresse pelos pecadores que merecem nada mais do que a condenação eterna. “De fato, no devido tempo, quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios. Dificilmente haverá alguém que morra por um justo; pelo homem bom talvez alguém tenha coragem de morrer. Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores” (Romanos 5:6-8). Na verdade, “quando éramos inimigos de Deus fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho” (v. 10; grifo do autor).

O Amor de Jesus Cristo excede o Amor do Bom Samaritano!

O que Cristo fez para remir seu povo excede em muito o ato generoso de benevolência ilustrado na parábola. Cristo é a encarnação viva do amor divino em toda sua perfeição. Ele é sem mácula, sem pecado, “santo, inculpável, puro, separado dos pecadores” (Hebreus 7:26). Durante sua vida na terra, ele cumpriu literalmente cada risco e ponto da lei em absoluta perfeição. E na morte ele até tomou sobre si a penalidade dos pecados dos outros. Além disso, sua justiça imaculada — incluindo o mérito pleno desse amor perfeito — é imputada àqueles que confiam nele como seu Senhor e Salvador. Seus pecados são perdoados, e eles são revestidos com a justiça perfeita exigida pela lei. Eles herdam a vida eterna, não como recompensa por suas boas obras, mas puramente pela graça, por causa da obra de Cristo em seu lugar.

Se aquele perito da lei tivesse confessado sua culpa e reconhecido sua incapacidade de fazer o que a lei exigia, Jesus teria lhe oferecido uma eternidade de misericórdia, graça, perdão e amor verdadeiro. Se ele simplesmente tivesse percebido suas necessidades, a resposta direta, simples à sua pergunta já estava nos lábios de Jesus, que repetiu em diversas ocasiões: “Eu lhes asseguro: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não será condenado, mas já passou da morte para a vida” (João 5:24). “Quem crê no Filho tem a vida eterna” (3:36). “As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas jamais perecerão” (10:27-28). “Quem vive e crê em mim, não morrerá eternamente” (11:26).

Como ganhar a vida eterna?

Jesus nunca fez esse tipo de promessas a almas orgulhosas e presunçosas. O perito na lei e também o jovem rico lhe fizeram perguntas específicas sobre como herdar a vida eterna, e ele respondeu confrontando-os com as exigências da lei. Mas àqueles que tinham ouvidos para ouvir, ele deixou sempre claro que a vida eterna não pode ser ganha por meio de méritos legais. A vida eterna é a herança graciosa de todos aqueles que depositam sua fé em Cristo como Senhor e Salvador.

O doutor da lei aceitou a lição que Jesus lhe deu?

O homem aceitou a lição que Jesus estava lhe dando? Ele confessou sua incapacidade quando Jesus lhe disse: “Vá e faça a mesma coisa”? Ele reconheceu sua necessidade de graça e se arrependeu?




Aparentemente não. Esse é o fim da história. Lucas volta sua atenção imediatamente para outro incidente no ministério de Jesus. Publicamente envergonhado em sua tentativa fracassada de vencer um debate com Jesus, o perito na lei anônimo simplesmente desaparece da narrativa, e nós jamais voltamos a ouvir dele. Como pessoa religiosa orgulhosa e autossuficiente, é possível que ele tenha resolvido fazer um esforço extra de fazer boas obras a fim de mostrar-se digno do favor divino e da vida eterna. Essas pessoas ignoram (ou se recusam a aceitar) aquilo que a justiça de Deus realmente exige delas. Procuram estabelecer sua própria justiça sem se submeter à justiça que Deus revelou em Cristo (cf. Romanos 10:3). Leem a parábola do bom samaritano como se não fosse nada mais do que uma instrução humanitária.

A que a parábola tem te motivado?

Não há mal nenhum em ser motivado pela parábola para o aperfeiçoamento do amor ao próximo. Espero que ela tenha motivado você nesse sentido. Mas se essa for sua única reação à parábola, ela seria praticamente a pior resposta que você poderia dar à lição que Jesus estava ensinando. Essa parábola pretende incentivar-nos a confessar nossa fraqueza pecaminosa (que se revela em nossa falta de amor compassivo e sacrificial) e a buscar a graça e a misericórdia voltando-nos para Jesus Cristo: o único que real e verdadeiramente cumpriu o que a lei exige de nós. Apenas ele “é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus” (Hebreus 7:25). Ele é a única fonte verdadeira da vida eterna.

Se aquele perito da lei tivesse realmente estudado a lei de Deus (e não só recitado os mandamentos) e se ele tivesse reconhecido seu pecado em vez de afastar-se e “depois de olhar para si mesmo, logo se esquecendo a sua aparência” (Tiago 1:24), ele teria encontrado um Salvador cujo jugo é suave e cujo fardo é leve. Mas, como vimos, a história termina sem qualquer sinal de seu arrependimento.

Essa não pode ser a nossa reação à parábola do bom samaritano.

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